quarta-feira, 9 de junho de 2010

Carpe Diem



Tudo aconteceu de forma muito rápida. Carlos procurava o local aonde tinha estacionado o carro esta manhã, estava meio distante do escritório, o lugar estava ficando cheio demais e qualquer atraso(como o cometido por ele hoje), implicava em perda da vaga. Dois homens chegaram repentinamente, cercando-o na viela onde seu carro estava. Era um assalto. Com seu gênio explosivo, seu instinto foi de reagir, e foi esse seu maior erro. Em um instante, ele pensava em como se livrar dos bandidos e no outro caia ao chão, sangrando e tudo virou um borrão.

Carlos achava que sua vida seguia o estilo carpe diem, vivendo um dia de cada vez, aproveitando as oportunidades que apareciam, sem pensar muito no futuro. A verdade não era bem essa, e ele tinha medo de admitir pra si mesmo. Formou-se em Arquitetura e conseguiu um bom emprego, preocupava-se com a estabilidade financeira que seus pais soharam tanto que ele conseguisse. Queria uma velhice confortável, sem dificuldades. Mas ele evitava pensar por esse lado, não gostava nada da ideia de envelhecer. E é por isso que para as pessoas, ele sempre dizia que trabalhava bastante para garantir sua boa casa, festas em fim de semana e férias em lugares exóticos. Nunca mencionava o que esperava dos anos que iriam chegar e calava sempre que os amigos entravam na conversa de família, casamento e filhos. Às vezes se perguntava sobre tudo isso. Estaria errado¿ Deveria pensar de outra maneira¿ Bastava olhar no espelho para todas essas indagações irem embora. Ele era bonito e jovem, muito jovem, não precisava pensar nisso agora. Ainda teria muito tempo pela frente.

A parte mais difícil para Carlos era Luisa. Ele sempre a achou linda e por mais que tentasse resistir, era completamente apaixonado por ela. Uma velha amiga, colega da faculdade, que, por ironia do destino, conseguiu um emprego no mesmo escritório que ele. Todo mundo sabia que havia alguma coisa entre os dois, quando estavam juntos, havia um tensão tão substancial no ar, que era quase possível segurar entre as mãos. No entanto, ninguém nunca teve a coragem de tocar no assunto.

A primeira vez que ele a viu foi quase como mágica. Ela estava sentada com um grupo de amigas perto do lago, com um sorriso que seria capaz de alegrar o campus inteiro. Naquele minuto, nada além dela parecia ter vida ou cor. Ele, obviamente, jurou nunca dizer a ninguém que pensava nela daquela forma, parecendo um filme brega de adolescente ou uma história de príncipes e princesas. Não, ele deixaria aquilo o mais escondido possível dentro dele, admitir só faria disso uma coisa real, e ele tentava fazer parecer que não era.

-Na verdade, isso foi só uma produção da minha mente super criativa-ele não se cansava de repetir. Romances existem pra os que são idiotas o suficiente para acreditar. Não para mim. Não no auge da minha juventude.

Desde então ele fazia questão de mostrar uma imagem de garanhão na faculdade, principalmente pra Luisa. Ficava com tantas quantas conseguisse, várias em uma mesma noite. Não precisava conhecer, nem pegar o telefone, muitas vezes até o nome era descartado. A chave era aproveitar o momento, e, claro, não se ligar a ninguém. E toda vez que ele começava e sentir um pouquinho de vazio dentro dele, de solidão, ele saia, bebia um pouco, e conseguia a companhia necessária para uma noite. O dia seguinte, bom, estava longe demais pra ser uma preocupação. Ele deixaria o Carlos do futuro lidar com isso. Esse esquema perdurou toda a faculdade e, ele não tinha intenções de parar.

No hospital, Carlos começou a voltar a sua consciência. Mas tudo ainda era muito complicado, não sabia se estava sonhando, pensando, ou se na verdade estava morrendo. Pensava no que tinha feito em seus 31 anos de vida, as felicidades, as conquistas, as vitórias. Tinha dado muito orgulho aos pais na vida profissional, alguns de seus projetos foram aprovados e era emocionante poder ver o resultado, as casas e prédios bem reais ali na sua frente. E foi com tristeza que ele percebeu que aquelas construções, frias e inanimadas, eram as únicas coisas reais em sua vida. Não tinha amigos de verdade, pois não se abria de verdade pra ninguém, e sim companheiros de farra, que iam e vinham de acordo com a programação da semana. Não tinha uma companheira para amar, para compartilhar seus momentos, para apoiar. Tantas mulheres passaram em sua vida, todas elas sem nenhum significado. Não tinha e concluia que não teria uma família, ele nunca abrira espaço pra isso. Pensava em Luisa. Em como ela era prestativa e inteligente, sempre inovadora, cheia de criatividade. Era também engraçada, extremamente teimosa e orgulhosa. Lembrava de como as sombrancelhas dela se uniam quando se preocupava, nas covinhas que apareciam quando abria aquele sorriso iluminado e na mania de enrolar as pontas dos cabelos nos dedos enquanto pensava em alguma coisa. Recentemente ela havia tatuado justamente as palavras carpe diem na nuca. Disse no escritório que não se devia deixar passar nada do que tivesse vontade de fazer, nunca se sabe se haveria uma outra chance de fazê-lo, o que nos espera no dia seguinte.

Imerso nesses pensamentos ele sentiu um aperto em sua mão. Com esforço conseguiu abrir os olhos e econtrar ao seu lado tudo que intimamente sempre desejou.

-Ei. Você me deu um susto-Luisa falava com a voz trêmula e os olhos estavam vermelhos. Tente dormir mais um pouco.

-Eu te amo, Luisa.

Ele não sabia se acordaria novamente, se sentia fraco e cansado. Mas ao fechar os olhos, e sentir os lábios dela nos dele leve e docemente, ele sabia que terminava aquele dia sem deixar nada pra trás, ele finalmente conseguia fazer tudo o que desejava.

Yara Lopes

Um comentário:

  1. Por isso que amo Yara: Ela renderá muitos direitos autorais!

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