sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Irracional


I had hoped you'd see my face
And that you'd be reminded
That for me it isn't over

Ele escreveu essa frase, da música que ela tantas vezes ouviu, trilha sonora de tantas lembranças, tantas lágrimas. Mas não foram por ele. Até poucos momentos atrás ela jamais havia associado essa canção e o tipo de sentimento que ela fazia vir à superfície com ele. Na verdade, há muito tempo que ele não cruzava sua mente, ela havia trancado as lembranças que construíram juntos em uma caixinha bem pequenininha dentro de si. Só que se não nos desfazemos completamente de alguma coisa, há sempre a chance de que ela seja recuperada.

Então tudo aquilo que foi tão cuidadosamente guardado se viu liberado, solto, de uma só vez. Ela tinha tanta certeza de que a caixinha era pequena que tomou um susto com a quantidade de espaço que isso tomou em seu coração, em sua cabeça, em sua vida. Parecia que tudo que fazia parte dela estava agora de alguma forma conectado a ele. E isso era coisa demais para aguentar de uma vez só.

Veio a crise, como já se esperava que viesse. Não conseguia dormir, a mente ficava atormentada, inquieta. Não podia nem pensar em comer, o estômago reclamava e revirava só a mera menção de alimento. Não falava com ninguém, porque nem ela sabia o que estava acontecendo, estava tudo atravessado por dentro. Ficava sozinha e pensava, tentando arrumar a bagunça enorme que tinha feito consigo mesma, mas por maiores que fossem os seus esforços, não conseguia obter resultados animadores.

Tentou se lembrar do que exatamente gostava nele. Não tinham nada em comum na questão profissional, tinham visões de mundo totalmente diferentes e brigavam em qualquer oportunidade. Ela o achava até meio infantil muitas vezes; pensava demais no futuro e nas suas responsabilidades, enquanto ele achava que as coisas aconteceriam se tivessem que acontecer. Não encontrava razão. Não conseguia entender.

Ligou o rádio, sabia que ele ia tocar em um programa naquele horário. Assim que ouviu sua voz parece que tudo fez sentido, mas não de uma maneira racional como ela sempre esperava. Tem coisas que não precisam de razões explícitas para acontecerem, elas são, simplesmente. Ficou ouvindo uma canção doce, na voz mais bonita que conhecia, e pela primeira vez sentiu que não precisava se preocupar, de alguma forma eles estariam bem.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A janela


Ela não sabia mais o que fazer, por onde começar, que caminho tomar. Parecia tudo tão confuso, turvo, como se ela tentasse olhar através de uma janela suja em um dia de chuva e muita neblina. Não era possível ver nada a sua frente, não havia forma de previsão. A única alternativa era confiar, cegamente, fazer uma tentativa e acreditar que ela daria certo, era uma arma de um tiro só, uma chance só.

Sabia que se saísse dali aquela chuva e vento iriam envolve-la, que estaria frio e que era perigoso. Quantos perigos aquela noite poderiam trazer? O que se escondia nos cantos, longe dos seus olhos fracos? Talvez fosse forte o suficiente para enfrentar e acabaria saindo em algum lugar com bastante luz, segurança e conforto. Talvez aquela vontade que ela havia alimentado dentro dela fizesse com que o sol se abrisse e que tudo ficasse claro, ou que ela sobrevivesse bravamente até o dia em que o cenário mudasse. Talvez.

Pensou nas alternativas que tinha. De fato, não eram muitas. Existia até a possibilidade de não haver alternativa nenhuma, de estar destinada a fazer uma escolha, tudo já poderia estar traçado. Costumava pensar nisso quando decidia acreditar em destino. A sua vida poderia já estar escrita e nada daquilo fizesse sentido de verdade, as esperanças, a ilusão de que haveria uma escolha, de que era dona do seu caminho. E quem era ela para lutar com forçar maiores do que esse mundo que a gente conhece? Um dia saberia que esteve sempre com amarras, obrigada a ser daquela maneira, a viver aquela vida? E se pudesse de fato escolher, sem influências, sem obrigações, saberia fazer isso? Era quando ela voltava a acreditar que o futuro estava em suas mãos, e pensava com cautela, qualquer passo errado poderia mudar tudo.

Poderia continuar ali, segura, livre da chuva e do vento. Poderia olhar tudo por aquela janela suja. Poderia? Viver ali dava uma sensação de segurança, mas era uma vida vazia, sem emoções, sem expectativas. Em determinado momento nem mais poderia chamar de viver, era mais vegetar, existir somente, sem nenhum sentido, nada que fizesse os olhos acenderem com brilho. Mas sim, estaria segura. Saberia o que a esperaria, na verdade o nada a esperaria, uma calmaria que aos poucos se transformaria em tédio. Valeria a pena? Não, não se pode viver assim. Mas e a coragem? E a determinação pra enfrentar a escuridão? Ali dentro estava tão quentinho, nada poderia chegar até ela. E ela ainda poderia ver o mundo pela janela. Não era tão ruim. Era?

Ela fechou os olhos. Desejou ser outra pessoa, em um outro lugar, com outros pensamentos, outras alternativas. Outras pessoas não deveriam ter que fazer esse tipo de escolha, não acreditava que existiam outros lugares como aquele. Seria tão mais fácil viver uma outra vida. Ficar ou sair? Seria tão mais fácil viver uma outra vida? Quem ela gostaria de ser? Alguém gostaria de ser quem ela havia se tornado? Algo ainda poderia ser feito. Talvez pudesse enfeitar o lugar com fotografias do mundo lá fora, ficaria mais bonito, mais fácil de aceitar. Ou poderia vestir uma roupa quente, botas de borracha, uma capa de chuva e ir pra fora, também seria mais fácil.

Abriu os olhos, respirou fundo. Olhou pela janela mais uma vez.