terça-feira, 6 de julho de 2010

O convite de Amanda-II


O sábado demorou demais a chegar, e Bruno nem se aguentava mais de ansiedade. Queria ver Amanda, adentrar naquele mundo tão desejado e misterioso. Teve vontade de contar pra alguém, pedir um conselho, saber como deveria se comportar diante de tal situação, dividir o momento com alguém. Sua primeira opção foi Fernando, seu melhor amigo desde sempre, passou com ele por todas as fases da vida, não havia segredos entre os dois. Pela primeira vez, no entanto, ele teve dúvidas e por fim decidiu guardar aquele momento só pra si. Apesar de o convite ter sido feito por ela, podia ser que tudo aquilo fosse apenas um simples convite para uma festinha de criança, sem nenhuma intenção adicional como ele gostaria, e não queria que o amigo também criasse falsas expectativas, muito menos que o consolasse depois de um possível fracasso. Temia não por alguma recriminação ou brincadeira, mas pela decepção do amigo, pela necessidade que seria criada depois de tentar tratá-lo de maneira diferenciada. Ele sabia que alguém poderia conhecê-lo na casa de Amanda, provavelmente outras pessoas da escola estariam lá, mas ele decidiu lidar com isso depois, no momento ele não iria contar a ninguém, nem mesmo à sua mãe, diria que iria a um aniversário, mas não especificaria nada.

Chegou até a casa sem dificuldades, o endereço estava bem explicado, não tinha como errar. Nem precisou ligar pra Amanda pra pedir direções, embora dentro dele formigasse a vontade de poder ouvir sua voz, mas ficou feliz por ao menos ter aqueles oito números, poderia ser muito útil algum dia. Logo que entrou na casa foi inundado por balões e músicas animadas, além de gritos e crianças correndo pra todo lado. Era bom estar ali, por várias razões. Bruno começo a adentar, esquadrinhando cada pedacinho do local, não só pra procurar Amanda, mas para aproveitar e conhecer sua casa, seu ambiente, os lugares onde ela passava grande parte do seu dia. Nas paredes e móveis reconhecia a menina em várias fases da vida, sempre linda e sorridente, claramente o orgulho da família. Estava distraído, olhando para uma Amanda bebê quando a versão crescida chegou por trás dele e lhe tapou os olhos com as mãos.

-Adivinha quem é...

Ele gostou de senti-la tão perto dele. Pôde identificar melhor o perfume doce que exalava dela, assim como ter perfeita consciência das mãos pequeninas, mornas e macias.

-Amanda?

-Ahh, você descobriu muito rápido-ela dizia enquanto retirava as mãos e ficava de frente pra Bruno. Será que sou assim tão óbvia?

-É meio difícil confundir sua voz-ele disse e sentiu que não pensou antes de abrir a boca, as palavras saíram do inconsciente, com certeza.

-Fico feliz que você tenha vindo, mesmo, Bruno.

-Claro que viria. Crianças são adoráveis.

-Só veio pelo meu irmão e seus amiguinhos, então?

Ele não acreditava que ela estava fazendo isso. Certo, ele era tímido e um pouco sem jeito pra coisas do coração, mas não era nenhum idiota. Estava na cara que Amanda estava com intenções que iam além da amizade. Ele não sabia quando e como isso acontecera, não se importava em tentar descobir.

-De maneira nenhuma. Tem muitas outras coisas interessantes nessa festa.

-Concordo, vamos então aproveitar o que meus pais prepararam. Gosta de algodão doce?

Ele não disse nada, apenas abriu seu maior sorriso e a seguiu. A festa estava realmente animada, e quantidade de doces era incrível. Os dois se divertiram bastante, ele até se esqueceu que não fora ele que a trouxera, na verdade ela era a anfitriã, apesar de dar atenção total a ele. Em meio as brincadeiras, mágicas, palhaços e muitos brigadeiros, Bruno conseguiu descobrir que ela gostava muito de praia, ouvia músicas no último volume, sonhava em morar em uma cidade maior e não sabia nada de cozinha. Ele também contou um pouco de si mesmo, ela parecia interessada. Percebeu que algumas pessoas repararam a repentina amizade dos dois, principalmente algumas das amigas delas, que talvez sentissem apenas ciúmes por nunca receberam atenção dela total ou quisessem um assunto novo pra uma boa fofoca na segunda, afinal, notícias relacionadas a Amanda eram sempre populares na escola. Até mesmo a mãe dela notou algo diferente, de vez em quando passava por perto, dava uma boa espiada, mas nada dizia, parecia ser uma pessoa simpática e discreta. Nada disso o preocupou, afinal, ele estava tendo tudo que sempre imaginara, de uma forma natural e não planejada. Como ele poderia se esquecer daquele dia? O sol estava forte, poucas nuvens no céu, ventava, causando uma temperatura agradável, e havia ela, que tonaria qualquer dia o mais perfeito.

O tempo passou voando, quando ele foi se dar conta já era tarde, a maioria das pessoas já tinham ido embora, não se ouviam mais os gritos das crianças e nem o cheiro forte de pipoca amanteigada. A contragosto, Bruno disse a si mesmo que precisava ir embora. A mãe já estaria preocupada, e também não era de bom tom ser o último a sair.

-Está tarde, Amanda. Preciso ir embora.

-É, o tempo passou muito rápido hoje. Você vai sozinho, não é perigoso?

-Não, não há perigo algum. Moro perto daqui.

-Bom, de qualquer forma, tome cuidado.

Os dois foram caminhando para a porta num silêncio que nada tinha de contrangedor ou desagradável. Era bom ouvir o vento sibilando e quatro pés andando devagar. Ambos sabiam o qual poderia ser o próximo passo. Talvez por isso era difícil para de encarar o chão. Mas o portão chegou, não havia mais pra onde caminhar, os dois tiveram que se encarar. Quando Bruno olhou pra ela perdeu todo medo e ansiedade. Ela era a coisa mais linda que ele já tinha visto, e seus olhos perfuravam os seus de uma maneira impressionante. Ele se aproximou devagar, esperando pra ver a reação dela. Amanda se aproximou também, e sorriu. Bruno ficou mais próximo, seus corpos se afastavam apenas por um leve tremor do vento, que rapidamente sumiu, unindo os dois num longo abraço. Ele achava que não iria querer soltar aquele abraço por nada no mundo, mas imediatamente se lembrou de uma exceção. Virou o rosto devagar e segurou aquele rosto de anjo que estava em sua frente. Sem mais delongas, beijou-a. Teve o gosto de algodão doce, foi quente e breve demais para satisfazer a vontade que crescia. Foi a vez de Amanda se afastar, ela parecia um pouco encabulada.

-Obrigada por ter vindo, Bruno.

-Não precisa me agradecer por nada.

-Você é um menino diferente dos outros. É gentil.

-E você é maravilhosa.

-Espero te ver de novo, logo. É tudo tão diferente fora da escola.

-Pode ser mais igual a isso daqui pra frente.

-Eu gosto dessa ideia. Muito.

-Dorme com Deus, anjo.

-Você também.

Bruno foi embora, mal percebia por onde andava. Sua cabeça estava longe, e seu coração batia acelerado, se sentia leve. Só conseguia pensar naquela menina linda e no gosto daquele beijo, tudo se misturando e formando uma imagem diferente e intrigante. Queria muito vê-la de novo em breve, brevíssimo.


[Continua]

Yara Lopes

sábado, 3 de julho de 2010

O convite de Amanda- I


Bruno sempre a observava de longe, numa cobiça um tanto quanto desesperançada. Ela era linda, cada pedacinho dela o fazia ter vontade de olhar mais, de encontrar uma outra parte a ser admirada. Amanda era morena, baixinha, os cabelos longos e negros caiam como uma cortina ao redor do rosto angelical, seu sorriso era capaz de derreter até a ele, sempre tão fechado, com seus sentimentos guardados pra si mesmo. Ao mesmo tempo que desejava poder estar perto dela, segurar suas mãos, fazer um carinho em seus cabelos, se assustava e desejava ficar invisível quando a via se aproximar. Nem ele entendia muito bem o que acontecia, mas toda aquele ar de felicidade e confiança, todas aquelas pessoas que sempre andavam ao redor dela, todo o bando de meninas que queriam ser como ela... Às vezes parecia muito mais do que ele poderia suportar. Se perguntava se o desejo por ela seria maior do que o seu medo, mas logo o pensamento voava com o vento, ele não acreditava que poderia ter uma chance.

Na sala de aula, ele reparava nos movimentos dela, muitas vezes desatenta, mais preocupada com a simetria das unhas e a perfeição da maquiagem do que com a matéria que o professor colocava na lousa, passava bilhetinhos para as amigas e lia revistas de celebridade embaixo da mesa. Ele não entendia como ela conseguira ser aprovada todos esses anos, o colégio era um tanto quanto rígido, e a não ser que ela fosse super dotada, não sabia como ela absorvia a matéria. Essa era apenas umas das coisas que ele desconhecia, e havia mais um universo inteiro de coisas sobre ela, sua personalidade, seus gostos, seus sonhos, seu jeito, cada detalhe que formava a Amanda que ele era doido pra descobrir. Será que ela gostava de gatos ou cachorros? Gostava de flores? Praia ou campo? Refrigerante ou suco? Frio ou calor? Carta ou email? A cada opção uma teia ia se formando na cabeça dele, cheia de cenas que só existiam no imaginário e longos diálogos reveladores. Imaginava se um dia aquelas cenas chegariam perto de acontecer e quais seriam as suas escolhas, suas perguntas e respostas.

O ano letivo foi passando, eram frequentes as divagações de Bruno em relação a Amanda, mas nada mudara no plano real, ele nunca tentara se aproximar, ela não parecia perceber que ele estava por perto. Se essa situação não tivesse mudado, a história dos dois não existiria, muita coisa seria diferente. No entanto, o destino cumpriu o seu papel, fez os dois caminhos se intercalarem, formando um só.

O sinal da última aula soou, e na sala reinou a confusão de sempre. Dezenas de adolescentes falavam ao mesmo tempo, combinando encontros do fim de semana, comentando a chegada das provas e das chuvas que surpreendiam. Cadeiras e mesas rangiam ao serem arrastadas, cadernos e livros fechados, tudo enfiado na mochila às pressas. Bruno, como sempre, continuava em seu lugar, arrumando suas coisas sem pressa, anotando o que tinha pro dever de casa-nem tanto por ele, mas porque toda tarde o amigo Rui ligava para saber quais eram as atividades- e esperando a confusão de fim de aula diminuir um pouco. Estava acostumado a ficar com a sala vazia e não se importava com isso. Jamais esperava que quando levantasse os olhos de seus materiais encontraria olhos tão doces esperando por ele, menos ainda acompanhados daquele sorriso tão aberto. Amanda estava ali, e obviamente, já que não havia mais ninguém na sala, esperava por ele.

-Oi Bruno-ela disse de uma jeito leve e despreocupado.

-Oi Amanda-a saudação dele foi um pouco mais tensa, revelando sua confusão com aquele encontro.

-Você sempre fica aqui escondido do resto das pessoas, é?-ela continuava num tom que oscilava entre o amigável e o zombeteiro.

-Não gosto muito de andar nessa confusão de gente, e além disso, não estou com essa pressa toda de deixar a escola-ele dizia tentando usar o pouco que sabia sobre linguagem corporal pra ver através das palavras de Amanda. E você, o que faz por aqui?

-Não tá na cara, Bruno?

-Hum, não.

-Vim falar com você, ué. Não posso?

-Claro que pode, só não é algo muito comum. Na verdade, nunca aconteceu.

-Bom, dizem que sempre há uma primeira vez.

-É verdade.

O silêncio reinou por alguns instantes, causando uma situação um pouco constrangedora. Bruno, principalmente, não conseguia ficar a vontade. Não conseguia pensar em algo pra dizer, nem pra onde olhar.

-Vim aqui, na verdade, pra saber se você tem alguma coisa pra fazer esse fim de semana. Tem?

-É, se eu disser que não, o que você vai dizer?

-É aniversário do meu irmãozinho, minha mãe vai fazer uma festinha, me pediu pra chamar alguns colegas da escola.

-E você pensou em mim?

-É, sei que você não se enturma muito, nunca te vejo com o pessoal da escola. Mas como eu já disse, tudo tem uma primeira vez. E aí, você vem?-ela dizia aquilo com um toque de dúvida e esperança.

-É...-como ele poderia dizer não? Vou sim, é claro.

-Que bom! Olha,-ela estendi um papelzinho dobrado várias vezes- aqui está meu endereço e meu telefone. Tá tudo certinho, mas qualquer coisa, pode ligar.

-Tudo bem.

-Até amanhã, Bruno.

-Até.

Bruno assitiu calado enquanto enquanto Amanda se virava e saía da sala, deixando-o com um sorriso meio bobo e com a mente fervilhando. Apesar de todo choque, ele não podia esperar pela chegada do dia seguinte.


[Continua]

Yara Lopes