terça-feira, 5 de outubro de 2010

O que parece


Às vezes achamos que estamos prontos para as coisas, que somos maduros o suficiente pra dar o próximo passo, que teremos responsabilidade pra arcar com as consequências, que aceitaremos tudo aquilo em nome do crescimento pessoal, que não olharemos pra trás. Em boa parte das vezes não é bem isso que acontece, nos sentimos pequenos e fracos pra carregar uma carga tão pesada, suplicamos em segredo que alguém apareça e ofereça ajuda, temos vontade de voltar para aquele momento feliz em que tudo era mais fácil, queremos um colo, um consolo.
Mas o tempo trás oportunidades, escolhas e obrigações, temos de caminhar, precisamos seguir adiante. Quando passei no vestibular da UFRJ achei que não poderia ser mais feliz, eu finalmente ia realizar um sonho, possivelmente o maior deles. Quem não pensaria que é a coisa mais maravilhosa do mundo? Passar na faculdade dos seus sonhos, pra fazer o curso dos seus sonhos, e ainda de bônus morar na Cidade Maravilhosa. Parecia mesmo que seria um conto de fadas, eu não pensei nem duas vezes na hora de cancelar a matrícula da UFF, voltar pra Bahia e esperar feliz pro próximo semestre. Assim fiz, esperei alguns meses e a hora chegou. Hora de me mudar mais uma vez. Não achei que começar a tirar minhas coisas do armário fossem me balançar tanto, a imagem das malas espalhadas pelo quarto, da minha mãe enchendo os olhos de lágrimas toda vez que passava na porta e olhava aquela confusão de roupas e caixas, do meu pai que sempre dava um sorriso que não conseguia chegar aos olhos, da minha melhor amiga pulando toda aquela bagunça pra ficar num cantinho apertado da minha cama dizendo que ia sentir saudades, tudo começava a borrar minha cabeça e pesar meu coração. Mas eu não iria desistir por isso, já tinha passado por isso duas vezes, já deveria estar mais forte, sentir menos. Um por um eu fui me despedindo das pessoas mais importantes da minha vida, deixando pra trás o conforto e familiaridade da minha cidade, indo embora de casa e deixando um pedaço de mim.
Mas eu acreditava que tinha um futuro cheio de sol, nuvens brancas e colorido, provas, trabalhos e professores complicados, vitórias, tropeços e claro, mais vitórias. Cheguei no Rio com milhares de bolsas e com mamãe do lado. Conheci meu novo apartamento e as meninas que iriam morar comigo, minha nova família. Eu me senti sortuda, adorei o lugar e me identifiquei com as três meninas imediatamente, sabia que Deus estava cuidando de mim. Mamãe ficou comigo por mais alguns dias, ajeitou minhas coisas aqui, me deixou com tudo pronto pra começar a seguir minha nova vida. Só quando ela entrou naquele táxi pra voltar pra Bahia que eu percebi o que estava acontecendo, eu a partir daquele momento estava de fato por minha conta, completamente sozinha, a mais de 1000 km de casa. A palavra sozinha ressoava na minha cabeça e não me deixava pensar direito. Eu percebi que estava chorando e que o porteiro me olhava meio assustado.
Logo logo comecei a ir pra faculdade, participei do trote, tive meu cabelo destruído e pedi dinheiro na rua. Conheci muita gente e fiz amigos muito mais do que fantásticos, não posso reclamar. A ECO é exatamente o que eu esperava, claro que tem seus defeitos, mas me senti satisfeita, gostei bastante da maioria dos professores, e comecei a me descabelar com a quantidade de xérox e de trabalhos, tudo dentro do esperado. Me habituei a andar de ônibus e não reconhecer as ruas direito, a ouvir o "s" puxado dos cariocas e a ver o riso das pessoas ao ouvir o meu suposto sotaque(eu ainda teimo que não tenho sotaque). Tudo parece ir bem, esse apartamento já tem jeito de minha casa e ouvir a voz de mamãe e papai toda noite pelo telefone me contando tudo que tem acontecido por lá virou um hábito bom. Tudo parece bem. Até que eu fique sozinha e permita minha mente pensar em coisas que não devia. E aí o que parecia firme e seguro desaba bem em cima da minha cabeça. Eu não estou tão pronta e tão madura quanto achei, e definitivamente começo a olhar pra trás. Me lembro da minha cama e do meu colchão que já tinha o formato do meu corpo, da cama enorme da mamãe e do papai que era suficiente pra nós três quando eu tinha um pesadelo, do café da manhã na cama que mamãe me trazia enquanto assistíamos o "Bom Dia Brasil", da UDI pronta pra qualquer coisa a qualquer hora, da minha sobrinha bebê fofa que me abraçava e dizia que me amava, de estar no quarto e ver minha melhor amiga entrando e me contando as novidades, do meu pai me trazendo açaí a noite, da minha irmã e do meu amigo me trazendo músicas novas, da mamãe contando tudo que vai acontecer nos filmes, da Dani musa superior cogitando comigo sempre. Eu sinto falta de casa, do meu lar, do meu aconchego. As coisas estão complicadas, e eu não tenho ninguém pra me abraçar e dizer que me ama, eu estou tendo pesadelos e não tenho a cama enorme com mamãe me abraçando, eu fico sentada no meu quarto e ninguém aparece repentinamente pra me ver. Eu ouço uma boa música e não tenho a pessoa certa pra cantar junto, eu vejo um jogo do Santos e não vejo o papai vibrando e soltando fogos, eu pinto as minhas unhas e aquela chatinha do meu coração não surge pedindo pra eu pintar as dela também, eu arrumo o quarto e não tem nenhum bebê pra destruir tudo e depois pedir desculpas forçadas com aquele sorriso lindo. Eu tenho uma situação e não tenho a pessoa pra me dar colo, passar a mão no meu cabelo e analisar tudinho frase por frase. Eu fico com raiva e não posso gritar bem alto até quase explodir, tenho uma dor de estômago e não tem o vovô pra fazer um chá de boldo, chega o sábado e não tem requeijão e nem biscoito da feira na mesa do café da manhã, eu vou na rua e não tem um bom acarajé, e da farinha não dá nem pra comentar. As pessoas não te dão bom dia, não sorriem se não te conhecem. Tudo é diferente.
Eu sei, sei que tenho que olhar pelo lado positivo. É o que eu faço e o que me impede de pegar minhas malas e aparecer em casa. Tenho pessoas muito maravilhosas ao meu lado aqui e daqui a dois dias mamãe chega trazendo um pouco da Bahia pra mim(leia-se acarajé, requeijão, farinha carne de sol, biscoito da feira e claro, muito amor). Só tenho que continuar olhando pra frente, manter a mente ocupada, tentar não olhar pra trás. Preciso acreditar que sou madura o suficiente, que consigo lidar com tudo isso. Preciso acreditar no sol, nas flores e no clorido, nas aulas, nas vitórias. É bom ver o Cristo e o bondinho quando se olha pro lado, dá uma coisa esquisita na barriga. E o principal, quem sabe um dia papai e mamãe estarão sentados tomando café na cama enorme vendo o "Bom Dia Brasil" comigo, mas eu estarei do outro lado da tela, é claro... É só focar nisso, e tudo volta a parecer bem.

Um comentário:

  1. Yara... q texto lindo =]
    eu imagino o quanto de readaptação vc teve que passar, sei que não estamos correndo pra cima e pra baixo vendo esmaltes e nem estamos tão juntas quanto eu pensava que ficaríamos. Mas isso é a vida :) cada um faz suas escolhas, certo? e a maturidade nos alcança de forma que conseguimos aceitar isso numa boa.

    Suas histórias são encantadoras =]
    virei aqui com muito carinho!
    beijos da rê!
    obs: fiz twitter hoje e te segui por lá!

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