segunda-feira, 18 de julho de 2011

Saudade reprimida


Eu percebi que faço um esforço pra não sentir falta das coisas, das pessoas, dos lugares. Tive de aprender a fazer isso, considero como uma espécie de adaptação pra viver melhor no meio, tipo teoria da evolução de Darwin. Se não me adaptasse, acabaria sendo esmagada pelos outros que tivessem conseguido, ou sendo mais dramática e realista, apenas teria que sofrer muito mais. E sofrer muito mais não é uma opção muito agradável.

Sair de casa foi o que me fez desenvolver essa tentativa de destanciamento com a saudade. Foi de longe a coisa mais difícil que eu tive de fazer, decidir ir pelo caminho mais difícil, ir em busca de um futuro, ficar longe do carinho e do cuidado que se tem em casa. Achei que a saudade seria impossível de aguentar, porque em tudo eu me lembrava dos cantinhos da minha cidade, da minha casinha, do meu quarto, do meu canto. Tudo me fazia querer voltar, largar tudo, deixar aquela dor de lado. Mas eu sabia que não podia, então eu comecei a afastar o sentimento de falta, não deixava ele se aprofundar demais, pensava em outras coisas, tentava me lembrar menos, fui me adaptando.

E funcionou. Antes eu precisava ir visitar de 15 em 15 dias, não conseguia me concentrar direito e nunca queria voltar depois da visita. Passei a ir menos, a ver a minha cidade menos como o lar e mais como lugar de férias. No fundo eu não acreditava muito nisso, não acredito até hoje, mas ajudava a me levantar todo dia e querer viver bem o dia, ajudava a sorrir mais. E isso foi se alastrando pra outras áreas da vida. E fui aguentando melhor a saudade da melhor amiga, das irmãs, do ursinho, das relações que se acabam. Fui me escondendo, deixando de enfrentar.

Fiquei longe de casa por cinco meses. Cinco meses sem ver meu pai, minha mãe, minha melhor amiga. Cinco meses sem deitar na minha cama, sem ver o imenso corredor que dá de uma rua a outra dentro de casa, sem acordar com uma frestinha de sol que entra pela cortina de fitinhas. E eu tinha me acostumado com isso, e dor já não era tão grande. E agora, quando volto, vi o erro que foi ter me escondido da saudade, porque fugindo ou não, ela chega. E eu agora tenho muito tempo de saudade acumulada, e não sei como pagar o preço que ela está cobrando. A saudade de casa agora é tão grande que eu tento absorver cada canto daqui e ainda não é suficiente.

Ao mesmo tempo sinto falta de todas as outras coisas que eu tentei não sentir. Remexi numa caixa antiga que encontrei no guarda roupa, cheia de lembranças que eu tentei apagar, palavras que eu tentei não ler e promessas que se perderam. Objetos, cartas, cheiros. E aí veio o choro, engasgado, merecido. Ele reclama o tempo que ficou ali preso. E traz o pesar de outras pessoas que ficaram pra trás, de momentos, das memórias. E me fez sentir tudo de uma só vez. Saudade agora da minha casa do Rio, com o vizinho padre e o sofá rasgado, os vizinhos chatos e a lâmpada da cozinha que dá defeito, o porteiro que deixa todo mundo entrar e os post its que eu prego na geladeira.

Saudades do primeiro ano do ensino médio, com 3 amigas malucas e especiais que ficaram perdidas no caminho da minha vida, com planos idiotas e sem sentido nenhum e risadas autênticas. Saudades de quando moravam todos os irmãos em casa, e a gente brigava pelo controle remoto, tempo no banho e arrumação do quarto. Saudades de caminhar até uma certa árvore e me despedir ali, doida pra que o outro dia chegasse logo, de receber ligações de madrugada e de me sentir boba. Saudades de sentar na cadeira e esperar mamãe pentear meus cabelos, mas não sem antes fazer "capitão frio" ou "capitão calor".

Percebi que eu estava fazendo de novo. Mesmo com a avalanche de saudades que eu estava sentindo, estava reprimindo o sentimento, não querendo sentir falta de alguém, convencendo a mim mesma de que ela não era importante o suficiente pra ser lembrada, pra eu querer estar perto de novo, pra se encaixar nesse quadro de saudades que marcou tanto. Tem coisas que a gente não escolhe, ou escolhe sem se dar conta, ainda não sei bem. Eu sei que não deveria reprimir a saudade, ela vai acabar voltando e me obrigando a lidar com isso, e eu não vou saber o que fazer, do mesmo jeito que não sei o que fazer agora. Mas nunca disse aqui que eu era super esperta e que aprendia com os meus erros. Sou só um ser humano, e um bem longe de ser evoluído espiritualmente. Então eu vou errar de novo, é um erro consciente. Eu estou decidindo não sentir falta agora. Estou escolhendo lidar com isso depois. Os meus erros passados já estão ocupando muito do meu tempo agora, preciso guardar um pouco pro futuro.

Só ainda não descobri muito bem como realmente não sentir essa falta agora. Será um sinal que nesse caso esteja sendo mais difícil que nos outros? Vou descobrir isso daqui um tempo. Ou não.

Yara Lopes

2 comentários:

  1. "Oh, que saudades eu tenho da aurora da minha vida Da minha infância querida Que os anos não trazem mais" :)

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  2. Ah, que bonito lembrar desse verso, Clara!

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