sábado, 5 de março de 2011

Pule


"Oh Deus, como estou sendo feliz. O que estraga a felicidade é o medo."

Clarice Lispector

Há uma infinidade de sentimentos e sensações que são parte do ser humano, que inundam, incendeiam ou simplesmente estão ali, esperando que sejam mais percebidos, esperando o momento certo de explodir. Alguns são mais sorrateiros, vem de mansinho, sem que a gente perceba e quando menos esperamos ali está, já outros são presença constante, já podem ser considerados amigos. Dentre todos eles, no entanto, um dos mais curiosos é medo.

O medo está dentro da gente desde que nascemos, uma vez que o choro do bebê já é uma prova desse sentimento que ele carregará pelo resto da vida. É um choro de agonia e desconforto, um modo de externar o medo do que está por vir, daquele mundo enorme que apareceu do nada e que é capaz de o engolir de uma vez só, daqueles sons ensurdecedores que pertubam a sua calma, do vento frio, do nada em que se apoiar, da multidão e da solidão. Onde estava o ninho confortável, aconchegante e carinhoso que estava ao seu redor durante todo o tempo em que viveu? Ele já podia voltar pra onde tudo era calmo e maravilhoso, pro seu mundo? Não gostava desse... E aí vem a primeira negativa : Não, você não pode voltar pro ventre materno, tem que encarar esse mundo agora, não há opção. E a pergunta mais do que cruel: Será que vou conseguir?

O passar do tempo mostra que sim, a gente consegue. E crescer é uma superação dos próprios medos, é amadurecimento, é uma vitória diária. Aprendemos a sorrir, a bater palmas, a dar os primeiros passos, falar as primeiras palavras, desejar as primeiras coisas... Aprendemos a enfrentar. Mas o tempo também traz desafios mais complicados, tarefas mais árduas e escolhas mais difíceis. E novamente medos. Eles evoluem do pavor do escuro que pede um abajur na hora de dormir e do bicho papão que pega as criancinhas para medo de reprovar de ano, de não passar no vestibular, de não ter o seu sentimento correspondido, de perder o emprego, de não se curar de uma doença, de ficar sozinho... e a cada vez que eles aparecem precisamos arrumar algo dentro da gente que nos dê força pra lutar, pra superar, pra seguir em frente.

Existem muitas pessoas que se julgam destemidas, não tem medo de nada. Será? Quando estamos no mar e abre um buraco sob os pés ao mesmo tempo que vem uma onda gigante pra nos derrubar, não dá um frio na barriga, uma pequeno pânico? Ou no cinema, se a tela está escura e sem aviso um espírito aparece na casa abandonada com uma música de suspense, não dá vontade de gritar ou segurar em alguém? Se seu amigo fica doente, em risco, não tem um momento de piração achando que é possível perdê-lo? Após um primeiro encontro, bate a dúvida, será que vai ter outro? A primeira vez que se faz uma receita nova de bolo, e se solar? Final de campeonato, seu time dependendo desse resultado para ficar na série A, e se perder o jogo? No fim de uma entrevista de emprego, eu vou ou não ser chamado?

De uma forma ou de outra, temos de encarar o medo constantemente na nossa vida, querendo ou não. Não consigo acreditar que uma pessoa consiga passar pela vida sem sentir medo de algo ou de alguém, afinal somos humanos e certas coisas são simplesmente inevitáveis(por isso é tão difícil ser gente, é mais fácil ser robô). Mas são justamente esses medos que nos fazem viver de verdade, ter vontade de buscar um resultado, sentir expectativa, perder algumas vezes e sentir assim como é doce o gosto da vitória. É preciso emoção, a vida precisa ter graça, ter sentido em ser vivida, sem tantas garantias, sem tantos momentos previsíveis.

É engraçado que muitas vezes apenas uma palavra é necessária para desencadear o medo. Fogo, rato, polícia, chuva, assalto, positivo... Algumas frases clássicas também podem assumir papel semelhante. "Eu te amo", "Ele morreu na hora", "Preciso de um tempo", "Você está demitido", "Não é você, sou eu", "Quer se casar comigo?", "Vou embora", "Eu não planejei isso", dentre várias outras. Às vezes é uma palavra, uma frase, uma cena, uma sensação, uma vontade... Pode ser uma coisa momentâna, pode ser boba, pode ser eterna, pode ser o fim, o começo ou ambos.

Não sou também boba de acreditar que o medo é um ursinho cor-de-rosa lindo que traz muitas coisas legais pra todo mundo. Ele cria barreiras, traz problemas, limita, sufoca, enlouquece. Pode ser o fator que define a sua vida, que guia, que atrasa. Um medo de infância pode acompanhar sua adolescência, sua vida adulta e sua velhice, de uma forma negativa, destrutiva e preocupante. Ele pode comprometer relacionamentos, vida profissional, controle emocional. A partir do momento que o medo que se sente te impede de fazer coisas que te fazem feliz ou coisas que são necessárias para que as coisas possam continuar fluindo, deve-se preocupar.

Acredito que uma das piores coisas que podemos fazer é deixar de tentar. Pra mim é escolher deixar de viver. Não digo que arriscar te fará acertar ou te permitirá alcançar o que se sonha. Mas nem sempre isso é o mais importante, porque é no caminho para algum lugar que passamos muitos dos momentos mais valiosos. E muitas vezes o medo nos poda de vivenciar isso tudo, medo de fracassar, de sofrer, de amadurecer. O medo faz parte, é natural e necessário, mas nem por isso deve ser acalentado e carregado como amuleto. Vale a pena guardar esse medo numa caixinha dentro do coração e fazer o que se tem vontade, pelo menos uma vez, ao menos uma tentativa. Diga sim, chore em público, ria alto, fale com ela, experimente uma comida diferente, largue o emprego que odeia, faça o corte de cabelo que sempre quis, fale o que está preso na garganta, cante no meio da rua, sustente o olhar, aceite o convite, mate a barata!

Morre de medo de altura? Ninguém está te dizendo pra ir pra Pedra da Gávea e voar de asa delta assim de cara, mas quem sabe morar no quinto andar e todos os dias olhar pela janela, ver a vida das pessoas correrem lá em baixo, ver a imensidão que ainda há em cima da gente? Com o tempo tente um andar mais alto, viaje mais de avião, ande de bondinho e veja a cidade toda lá de cima. Se quiser tentar a Pedra da Gávea, ótimo. Se ainda estiver na dúvida, tudo bem, é normal, pode tentar numa outra chance. Mas se quiser a minha opinião sincera: pule!

Yara Lopes

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